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TROCANDO A PESQUISA EM MIÚDOS

Conteúdo, senso comum, identidade: o ponto de partida da pesquisa 

A comunidade Noiva do Cordeiro, a 100 quilômetros de Belo Horizonte, ficou internacionalmente conhecida depois de  uma série de reportagens na imprensa inglesa e americana no ano de 2014. As matérias espalharam a notícia de que um grupo de belas mulheres vivendo na zona rural de uma cidadezinha do interior do Brasil estavam desesperadas para casar e apelavam por homens solteiros.

telegraph noivas do cordeiroA primeira matéria foi publicada no inglês The Telegraph. Em seguida, The Mirror, Mail Online e Huffpost compartilharam a história.  

Na manhã do dia 28 de agosto de 2014, uma quinta-feira, os telefones da comunidade começaram a tocar cedo e não pararam ao longo do dia. Pessoas de toda a parte, jornalistas e curiosos, tentavam confirmar a informação que viralizou na internet. Os moradores não entendiam do que se tratava, nunca haviam feito qualquer campanha sobre isso: a notícia era falsa.

Não foi a primeira aparição da comunidade na imprensa. Anos antes, um documentário contou a história de Noiva do Cordeiro e do isolamento vivido pelos moradores depois de boatos de que aquele era um local de prostituição. O motivo: Noiva do Cordeiro é formada em sua maioria por mulheres e na virada dos anos 2000 a comunidade decidiu abolir qualquer tipo de religião. Noivas do cordeiro Juliana

A dissidência religiosa não foi à toa. Durante 40 anos, os moradores viveram sob a imposição da igreja evangélica fundada em Noiva do Cordeiro. A rígida rotina de jejuns, orações e proibições de todo tipo levaram a comunidade à pobreza. Quando o pastor morreu, a igreja foi derrubada e a nova ordem era uma vida comunitária baseada na ajuda mútua, no trabalho coletivo e em mutirão, no investimento em cultura e educação para os jovens. Fora da comunidade, no entanto, as mulheres que não se casavam mais na igreja e não seguiam nenhuma devoção sofreram quase uma década de difamação.

O senso comum e a desinformação

Todas as reportagens foram analisadas na pesquisa de doutorado. A investigação mapeou o uso da informação e o uso das ideias cristalizadas pelo senso comum como recursos para gerar identificação e dar visibilidade aos conteúdos, ou seja: as ideias tradicionais ligadas às mulheres – que devem seguir uma série de regras de comportamento – foram usadas primeiro para espalhar o boato de que uma comunidade de jovens mulheres sem religião seriam prostitutas. Anos depois, as mesmas ideias tradicionais garantiram a difusão rápida de uma notícia infundada: a de que havia uma comunidade de mulheres solteiras “desesperadas para casar” .

A tese, que ainda vai virar um livro, foi o impulso para novas pesquisas no campo da produção de conteúdo, posicionamento de identidade e senso comum. Temas que vou abordar aqui nos próximos posts. Por agora, uma reflexão para todos nós que somos a um só tempo consumidores e produtores de informação na internet: o quanto a nossa visão de mundo – nosso modo de perceber as coisas – serve de terreno fértil para o compartilhamento da desinformação? Na maioria das vezes, compartilhamos aquilo que achamos possível ser real, será então que participamos do processo de desinformar?

Uma questão também se direciona a quem produz conteúdo de maneira profissional, jornalistas, criadores, publicitários, comunicadores em geral: conseguimos perceber quando os nossos conteúdos acabam por reproduzir esteriótipos ou ideias ultrapassadas que oprimem ou silenciam pessoas e grupos?

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Juliana Perdigao

Belo Horizonte, MG

E: info@julianaperdigao.com.br